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Apresentação

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Apresentação da proposta

 

Em todo o mundo e em todas as áreas do conhecimento, nos últimos anos, surgem diversos movimentos em torno dos processos colaborativos e do acesso aberto aos bens culturais e educacionais. Peter Materu, pesquisador senior do Banco Mundial para a Africa do Sul, afirmou que se “os anos 1990 foram chamados de e-década, a atual pode ser cunhada como a-década (código aberto, sistemas abertos, padrões abertos, acessos abertos, arquivos abertos, tudo aberto). Essa tendência, agora chegando com força especial na educação superior, reafirma uma ideologia que tem sua tradição construída desde o começo da computação em rede” (MATERU, 2005, p. 5)1.

No Brasil, essa tendência não se limita à educação superior; também perpassa a educação básica, uma vez que está posta no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), aprovado pela Lei nº 13.0052, de 25 de junho de 2014. Perpassa todo o documento a ênfase da necessária colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, entre as escolas, as famílias, os órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância, e as organizações da sociedade civil, para que as metas e estratégias postas no PNE possam ser desenvolvidas e assim atender as diretrizes elencadas em seu Art. 2o, quais sejam, a erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a superação das desigualdades educacionais, a melhoria da qualidade da educação, a formação para o trabalho e para a cidadania, a gestão democrática da educação pública, a promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País, a aplicação de recursos públicos em educação assegurando o atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade, a valorização dos(as) profissionais da educação, e a promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental (BRASIL, 2014).

O PNE coloca-nos, portanto, grandes desafios. Um deles é a da articulação coletiva, colaborativa, aberta, num momento em que ainda estamos presos a modelos fechados e individualistas, lamentavelmente tendo como referência para a educação, a chamada lógica do mercado. Para olhar para os movimentos colaborativos associados à educação básica, necessário se faz pensar a educação numa perspectiva bastante ampla, incluindo os demais níveis e, também, a educação não formal e outros espaços formativos que não exclusivamente as escolas; trazendo, também, para esse debate, movimentos, ideias e conhecimentos que estão sendo desenvolvidos em outras áreas, como a Cultura, a Comunicação, a Computação, o Direito.

Outro desafio que nos coloca o PNE é o de trazer para o centro das discussões as políticas públicas de Tecnologias da Informação (TI) na educação básica, incluindo os movimentos software livre e do acesso aberto, a temática dos direitos autorais e das diversas possibilidades de licenciamentos, a produção de materiais educacionais, através dos denominados Recursos Educacionais Abertos (REA), entre outros, os quais consideram um uso democrático e não instrumental das tecnologias e o desenvolvimento de práticas colaborativas nos processos de aprendizagem e de produção do conhecimento e da cultura.

Tais perspectivas estão postas em várias estratégias do PNE, destacando-se a necessidade de assegurar a diversidade de métodos e propostas pedagógicas (5.3, 7.12), a proposição de práticas pedagógicas inovadoras (5.6, 7.12), o uso de softwares livres (7.12) e de recursos educacionais abertos (5.3, 7.12), o provimento de equipamentos e recursos tecnológicos digitais (7.20) às escolas e o acesso a redes digitais de computadores, inclusive a internet (7.20), a composição de acervo digital de referências bibliográficas e audiovisuais (12.15), o uso de metodologias, recursos e tecnologias de educação a distância (14.4).

Para dar conta desses grandes desafios muito precisamos investir, seja na compreensão desses movimentos e processos abertos e colaborativos, nas potencialidades que carregam e que podem ser incorporadas pela educação, seja em processos formativos, especialmente para os professores, que são os responsáveis pelas práticas desenvolvidas junto aos jovens. Necessário ainda investir na elaboração e implementação de políticas públicas que oportunizem que essas dinâmicas se materializem nos mais diferentes espaços de aprendizagem, bem como num corpo legal que valide essas novas práticas.

Buscando contribuir com esse processo, propomos este número temático Movimentos colaborativos e abertos, tecnologias digitais e educação para a revista Em Aberto, justamente para discutir os códigos, sistemas, padrões, acessos, arquivos, tudo aberto, suas potencialidades para os processos colaborativos e sua relação com a educação. Para tanto, saímos radicalmente da caixinha educação e, para tal, estão aqui conosco, pesquisadores e ativistas da área da Educação, da Comunicação, da Cultura, do Direito, da Computação, da Administração, e, também, outros olhares não acadêmicos no sentido estrito, e outras linguagens que não só o texto.

Na seção Enfoque, problematizamos o tema, discutimos as potencialidades da colaboração e mapeamos alguns dos principais movimentos que se articulam mundialmente em torno dos processos abertos e colaborativos, para, então, estabelecer os vínculos entre tais processos e a educação. Buscamos, em especial, a partir desses vínculos, delinear alguns princípios para o sistema educacional, que podem provocar mudanças nas formas de organização e gestão do próprio sistema, e dos processos de ensino e aprendizagem, nas relações entre os sujeitos da educação e destes com o conhecimento e a cultura.

Na seção Pontos de Vista, trazemos o que pensam outros especialistas, de diferentes áreas do conhecimento, sobre a temática. Abre a sessão o texto Redes e conhecimento: as dimensões do social learning, de Mario Pireddu, que discute as mudanças que a educação está experimentando face às potencialidades da conexão em rede. Segundo o autor, com os novos espaços, as novas formas, novas mídias, novas comunicações, os novos conhecimentos, temos uma pluralidade de códigos e uma variedade de formas de expressão vivendo juntos: uma desordem fecunda, um terreno fértil para novas criações e experimentações inéditas.

Na sequência, Edvaldo Couto, com o texto Redes sociais digitais: privacidade, intimidade inventada e incitação à visibilidade, problematiza os novos processos e construções das tiranias da intimidade numa época em que adotamos de modo excêntrico as tiranias da visibilidade. Para o autor, a vida privada, contraditoriamente requisitada na atualidade, não passa de nostalgia que nos devora e que deve ser devorada em nervosos espetáculos efêmeros. Segue Veridiana Alimonti, que, com o texto Políticas públicas de Banda Larga, discute a regulação dos serviços de conexão internet no Brasil, o papel desempenhado pelo Estado na sua relação com os agentes privados que operam no país. Sérgio Amadeu da Silveira segue a discussão, tratando dos padrões e formatos digitais, no texto Padrões, códigos e formatos na Educação. Para o autor, nossa comunicação é totalmente dependente de softwares e formatos e estes podem ser abertos ou fechados, livres ou proprietários. Enquanto os formatos proprietários representam a privatização da memória digital, delimitam, controlam, bloqueiam, aprisionam e criam dependências para aqueles que os utilizam, os formatos abertos são muito importante para devolver aos cidadãos o controle de suas criações.

Dando continuidade à discussão, Genauto C. França Filho e Vicente Aguiar, com o texto Um "bazar" organizado e educativo? A experiência de uma comunidade online de hackers e do seu modelo aberto de aprendizagem, à luz da teoria da dádiva, analisam como se carateriza um modelo aberto de aprendizagem, a partir de duas experiências: o Projeto do software GNOME e os verbetes que compõem a Wikipédia Lusófona. Nessa análise, trazem as singularidades da experiência de trabalho e aprendizagem dos hackers, ao longo dos processos de produção por pares na internet. Então, Marcus Wachowicz, com o texto

Direito autoral e licenciamentos criativos, analisa o Direito Autoral e sua tutela jurídica, neste novo contexto das redes, de forma a otimizar o acesso à cultura, ao conhecimento e a educação, com a difusão e circulação das obras acadêmicas não apenas no espaço físico das universidades, mas nos mais variados círculos culturais e redes sociais com vistas a democratização do ensino e acesso ao conhecimento.

Tel Amiel e Tiago C. Soares, com o texto O contexto da abertura: Recursos Educacionais Abertos, cibercultura e suas tensões, apresentam o conceito de REA e sua relação com a cibercultura e o conceito contemporâneo de uma educação aberta. Em seguida, Bianca Santana, com o texto Produção colaborativa de materiais educacionais para educação básica, traz os desafios postos pelo PNE para a produção de materiais didáticos e apresenta a colaboração como uma possibilidade de desenvolvimento de REA, a partir do caso do Projeto Folhas, desenvolvido no governo do Paraná entre 2003 e 2010. Edméa Oliveira dos Santos, discute como a mobilidade cibercultural vem contribuindo para a formação e a educação em nosso tempo, no texto Cibercultura e educação básica; João Batista Carvalho Nunes, com o texto Software livre e formação docente, analisa as politicas de formação docente para e com o uso de software livre nas escolas, apontando avanços e desafios nesse processo formativo; e Rosária Ilgenfritz Sperotto, Maria Simone Debacco e Christiano Martino Otero Ávila dão continuidade à análise dos processos de formação docente, com o texto Aprendizagem em rede: um toque na tela, apresentando-nos o PROMIDIAS, um Programa de Extensão destinado a capacitar professores da rede pública municipal de ensino de Pelotas, Rio Grande do Sul, para o uso das mídias digitais em sua prática pedagógica. Para fechar a Seção Pontos de Vista, María Florencia Ripani, com o texto Reflexiones sobre colaboración y cultura digital: experiencias en escuelas primarias de la Ciudad de Buenos Aires, analisa três experiências baseadas na colaboração, em escolas públicas beneficiadas pelo Plan Sarmiento BA, programa da cidade de Buenos Aires (Argentina), para incorporação das tecnologias nas escolas, no modelo um-pra-um, centrando a discussão nas potencialidades para a produção de conhecimento, o enriquecimento das aprendizagens, a promoção da qualidade educativa e o fortalecimento do aluno como criador e produtor de conhecimento, em um contexto de diversidade.

Na Seção Espaço Aberto, trazemos seis provocações livres sobre temas que cruzam, complementam e enriquecem o que foi discutido na Seção anterior. A primeira é uma charge de Cau Gomes: Mãe Stella e Castro Alves; na segunda, Mãe Stella de Oxóssi lembra-nos Quanto custa um “muito obrigado”?; na terceira, Pedro Jatobá apresenta a Produtora Cultural Colaborativa: Tecnologia Social para autonomia e sustentabilidade de Pontos de Inclusão Digital Comunitários; na quarta, Felipe S. Fonseca e Luciana Fleischman apresentam-nos os Laboratórios experimentais: espaços em branco na educação formal; na quinta, Raquel Rennó reflete sobre os Novos estudantes na velha sala de aula: o ensino da arte e tecnologia, entre institucionalização e mundos possíveis; e na sexta, trazemos o cartaz de uma Campanha em Portugal sobre Partilha do Conhecimento.

Na Seção Resenhas, damos destaque a duas publicações recentes, que tratam dos mesmos temas que são foco deste número do Em Aberto: o artigo Media between power and empowerment; can we resolve this dilemma?, de Leopoldina Fortunati (2014), resenhado por Andrea Lapa (UFSC); e o livro O pensamento do tremor, de Édouard Glissant, resenhado por Adriana Rocha Bruno (UFJF) e João Luiz Peçanha Couto (UFF).

Para fechar este número do Em Aberto, na Seção Bibliografia Comentada, trazemos uma síntese de livros e artigos sobre a temática que aqui discutimos, produzida de forma colaborativa por integrantes dos grupos de pesquisas liderados pelos autores dos artigos que compõem esse número do Em Aberto e de outros colegas que colaboraram com esse movimento.

Em paralelo a tudo isso, hackeamos o site do Em Aberto. O que isso significa? Como precisávamos de algo mais dinâmico que um portal de uma revista acadêmica, criamos um site especial para esse número, abrigado na Universidade Federal da Bahia (https://emabertohackeado.ufba.br), onde lincamos os artigos originais publicados na revista e acrescentamos mais textos com espaço para discussão dos mesmos, e ampliamos as referências bibliográficas. Mais ainda, disponibilizamos um conjunto de vídeos onde a temática é, mais uma vez, apresentada com o intuído de estabelecer uma conversa permanente entre todos os envolvidos com o projeto.

Esperamos, com este dossiê e o site, provocar a reflexão, o estabelecimento de vínculos, a emergência de ideias e práticas inovadoras, contribuindo assim para que os processos abertos e colaborativos adentrem com mais força à educação brasileira.

 

Salvador, agosto de 2015

Nelson De Luca Pretto

Maria Helena Silveira Bonilla

 

Referências:

BRASIL. Plano Nacional de Educação 2014-2024: Lei nº 13.005, de 25 de junho

de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. Disponível em: <http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-referencia.pdf>, Acesso em: 17 ago. 2015.

FORTUNATI, Leopoldina. Media between power and empowerment; can we resolve this dilemma? The Information Society, 30: 169-183, 2014.

GLISSANT, Édouard. O pensamento do tremor. Tradução de Enilce do Carmo Albergaria Junior e Lucy Magalhães. Juiz de Fora: Gallimard Editora UFJF, 2014.

MATERU, Peter N. Open source courseware: a baseline study. nov. 2004. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTAFRREGTOPTEIA/Resources/open_source_courseware.pdf> Acesso em: 12 jul. 2015.

1“If the nineties were called the e-decade, the currente decade could be the termed the o-decade (open sourece, open sytes, open standards, open access, open archives, open everything). This trend, now unfolding with special force in higher education, reasserts na ideology that has a tradition traceable all the way back to the beginning of networked computing”.


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